segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Cabochard de Grès


Dizem que Madame Grès pensou em criar o perfume  Cabochard quando viajava pela Índia em busca de conhecimento e inspiração, no longínquo ano de 1959. Que surgiu de suas caminhadas pela praia, de seus solilóquios de solidão, com o frescor matutino e o perfume dos sândalos convivendo com variegadas flores.Assim , m verdade, havia nascido Chouda, o perfume florido e agradável criado pelo jovem perfumista Guy Robert que por não atender aos quesitos de sucesso na época, reduziu-se a uns poucos frascos. Cabochard porém remava a favor dos chypres de sucesso da época e vingou.A perfumista escolhida para esta nova  criação foi Bernard Chant, também criadora do famosos Aramis e Aromatics Elixir que muito tem de Cabochard.
 Vejo em Cabochard um perfume assaz citadino, quase confidente de uma francesa arrojada e resoluta. O nome "Cabochard" já muito lhe traduz. Vem do caboche. Teimoso, em francês. Há nele então a palavra obstinação. Remete ao arrojado e a perseverança, e a um mundo ainda elegamente clássico, do fim dos anos 50.  Pleno de orgulho e altivez.E a beleza do porte aristocrático de mulheres que se espelhavam em estupendos chypres de inequívoca grandeza
O frasco primevo,simples e acompanhado de um laçarote sóbrio e cinza,refletia o minimalismo e a simplicidade desejados pela Maison. A versão atual traz agora um belo laço negro, reluzente como cetim, adornado um frasco longilíneo e elegante
Algo nele me faz lembrar  escuridão. Há sabedoria na austeridade daqueles que vivenciaram o consciencioso pós-guerra. Não é um perfume triste,mas há nele uma vaga melancolia. É um perfume fundo e sábio. Usá-lo parece um aperitivo para a inteligência.É seco como um gole de puro whisky. É nublado como a fumaça de um charuto.É sutil como rosas recém colhidas.E traz a beleza de negras luvas de pelica
De fato, acredito que não são todos os que vão gostar dele, mas esse perfume tem poder de comoção muito grande. Há nele uma imantação que considero inexplicável, coisa que só grandes clássicos que conseguiram desnortear as regras do tempo obtiveram.Obedece a certo padrão vintage inflexível dos chypres agrestes e sofisticados. Mais ei-lo,aqui, agora  suavizado, mais verde e menos animálico, obstinadamente. Atravessando gerações com sua elegância seca e rasgante. E tão digno de uma dama como outrora.
Há quem identifique nele uma imagem subjugadora arquetípica,por sua presença imensa de couro a partir do isobutil quinolina(Composto que cria o cheiro de couro com acentos verdes, o mesmo do Bandit de Piguet). Dá sim uma sensação meio dominatrix. Mas para mim esse perfume pertence a mulheres seguras assim como  a homens finamente trajados. Há nele amável ambiguidade.Um tanto de androginia. Imagino Marlene Dietrich em seus melhores dias, de terno e charuto na mão. Lauren Bacall com seu inseparavel cigarrette.Assim como imagino Grace Kelly tal qual uma grega deusa, envolta em faixas e debruns, com aquele altivo semblante e lindos ombros nus. É um perfume para fortes, com toda a sedução e concupiscência que essa ideia faz emergir da sapiência, sucesso e da força. Sim, é um perfume charmoso, cheio de vigor.



Sua abertura é floral e fresca, com gálbano, limão e flores que se pretendem bastante gentis, como a rosa búlgara , o jasmim  e o ylang ylang, mas logo são subjugadas por camadas e camadas de uma adorável pelica, com ares de curtida por fumeiros. Um cheiro ocre, íntimo e sensual de couro,  quase perverso, com um toque de acidez de limão, fazendo uma irmandade com nossa própria pele.É quase calmante aspira-lo nessa fase do perfume. Parece acolhedor.E todo seu poder chypre  se revela formosamente com o fim musgoso, persistente como um mofo, sussurrando entre um seco vetiver que da  sensação final verde e terrosa, acompanhado das flores que aparecem ligeiras e indulgentes.E o couro lentamente vai se laceando, até nos abandonar.. E é daqueles que deixam saudade.
E consegue ser sublime, mesmo sem qualquer açúcar.

É um perfume que parece se costurar,em camadas de leveza, descortinando forças. Eis aqui o coração de Madame Grés , a possibilidade de perscruta-lo com sua  paciente habilidade para drapear acetinados tecidos, talhando a curva de cada corpo.Mais escultora que costureira.Há em Cabochard  o rigor, a obstinação, a precisa justeza assim também como a leveza de um jersey. É mais que um perfume, é uma tessitura. Não é uma simples dobra, é um drapeado. É quase uma escultura,um sopro no tempo, uma dobradura. Lá, deixa sua marca.
Sobre sua longevidade: Duradoura
Sobre sua sillage:Forte




fotos fonte: fragrantica.com
http://www.thefashionhistorian.com/2011/08/madame-gres.html
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